Quando você pensa em cinema nacional, o que lhe vem à mente? “Cidade de Deus”? “Tropa de Elite”? Alguma comédia com Leandro Hassum? Não está totalmente errado: são esses os filmes que atraem bilheteria e, por isso, os que são lançados em grande escala. Mas o terror “O Animal Cordial”, que estreia nesta quinta (9/8), chega para reforçar – e dar novo fôlego – ao interessante movimento que o cinema nacional tem feito ao investir em filmes de gênero.
“O Caseiro” (2016), “O Rastro” (2017) e até o trash “Condado Macabro” (2015) tiveram certo sucesso em evidenciar o suspense e o terror – mas o fizeram nos moldes americanos de “O Sexto Sentido” (1999) e de “Sexta-Feira 13” (1980). “O Animal Cordial”, por outro lado, entra em um território até então inexplorado por aqui.
Dirigido e roteirizado por Gabriela Amaral Almeida, o longa ousa ao usar violência gráfica, mas uma diferente da norte-americana. Explora um gênero chamado “slasher” (na verdade, um subgênero do terror, caracterizado justamente pelo uso de violência gráfica extrema) e aproxima-se muito mais do cinema italiano de diretores como Dario Argento, o que é raro de se ver no Brasil.
Na trama, Inácio (interpretado por Murilo Benício) tenta fazer com que seu restaurante ganhe estrelas de um crítico de revista. Para isso, exige demais de seus funcionários, entre eles a garçonete Sara (Luciana Paes) e o cozinheiro Djair (Irandhir Santos).
O filme começa à noite, próximo ao horário de fechamento do restaurante, e apenas três clientes continuam por ali: um ex-policial solitário (Ernani Moraes) e um casal arrogante (Camila Morgado e Jiddu Pinheiro).
É quando dois assaltantes (um deles interpretado por Humberto Carrão, de “Aquarius”) entram armados e começam a ameaçar e a agredir as pessoas. Sem pensar duas vezes, Inácio saca uma arma e reage, ferindo um dos bandidos. A sensação de alívio pelo aparente término do assalto passa logo: Inácio não quer chamar a polícia, para não manchar a reputação de seu negócio, e acaba mantendo todo mundo ali como reféns. Ele se revela muito pior do que os bandidos.
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A partir dessa situação tensa, “O Animal Cordial” aborda vários temas importantes. A homofobia, por exemplo, aparece no desgosto de Inácio contra o cozinheiro Djair: ele julga seus cabelos longos e seu jeito afeminado e logo o acusa de ter planejado o assalto.
O machismo aparece diversas vezes, mas, em especial, no controle que Inácio possui sobre a garçonete Sara. Ela, por sua vez, mostra obsessão em encontrar o homem ideal – ela vê no chefe um príncipe encantado e fica cega a ponto de compactuar com ele.
O título “O Animal Cordial” é bem adequado. O filme mostra como é relativamente fácil para o ser humano perder a civilidade – e mostra os personagens como se fosse apenas animais educados e que, em uma situação extrema, perdem toda essa “educação”.
O filme não é incrível e tem algumas falhas no roteiro, é verdade. Mas tem bom roteiro, bons personagens e, no geral, é ousado. Vale lembrar que tem produção de Rodrigo Teixeira, que costuma escolher muito bem seus projetos: produziu o terror “A Bruxa”, elogiadíssimo pela crítica e por público de festivais, e o drama “Me Chame pelo Seu Nome”, que foi indicado a quatro Oscar.