‘Mãe!’ resume a história do mundo segundo o cristianismo; entenda a simbologia

Entenda a simbologia das principais cenas de "Mãe!", que, na nossa visão, resume a história da humanidade - e tudo que deu errado nela


“Mãe!”, de Darren Aronofsky (de “Cisne Negro” e “Réquiem para um Sonho”), exige interpretação do espectador. Nenhuma cena está lá por acaso – e todas elas contam a história da humanidade, segundo o cristianismo. Só que o filme mostra o quanto nosso mundo deu errado.

Se você ainda não assistiu ao filme e quer interpretá-lo ao seu modo, não leia esse texto agora. Prefira a nossa crítica, que não tem spoilers (clique aqui para lê-la).

Mas, se você já viu “Mãe!” e ficou com dúvidas sobre as sequências, confira a nossa interpretação – que pode não ser a certa. Afinal, o mais legal de filmes assim é que eles deixam os significados em aberto para que o espectador os entenda como preferir.

O Culturice vê “Mãe!” como um “resumo” da história da humanidade, segundo o cristianismo: o personagem de Javier Bardem é Deus, e a Mãe, personagem de Jennifer Lawrence, é a Mãe Terra.

Veja, abaixo, a simbologia das cenas e dos personagens do filme.

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A atriz Jennifer Lawrence e o diretor Darren Aronofsky (Foto: Divulgação)

“VOU FAZER DESSE LUGAR UM PARAÍSO”

Essa fala da Mãe (Jennifer Lawrence) é o estopim para entender o filme. No começo, vivem só a Mãe e seu Marido (Javier Bardem) em uma enorme casa, isolada. Ele é um escritor passando por uma crise criativa. Ela, que o ama acima de tudo, se esforça para reconstruir a casa – outrora destruída em um incêndio – para que o Marido se sinta o mais confortável possível.

Quando Mãe chama a casa de paraíso, interprete isso no sentido literal: a casa é o Paraíso do início da história bíblica.


O HOMEM INTRUSO E SUA COSTELA

Ed Harris interpreta um médico que chega na casa em uma noite. Ele pensa que o local é uma pousada e não tem para onde ir. O Marido o convida para ficar, mesmo com a Mãe contrariada.

Já fica claro desde o início que o homem tem vícios: ele bebe e fuma – e já sofre das consequências desses “pecados”.

À noite, ele sofre de uma crise de tosse, e o Marido vai ajudá-lo. A Mãe os vê no banheiro, e o homem está nu e tem um corte enorme na altura das costelas. O Marido, ou Deus, esconde o corte e lhe pede privacidade.


A MULHER E A EXPULSÃO DO PARAÍSO

No dia seguinte, Mãe acha tudo muito estranho: seu Marido e o tal homem se comportam como se nada tivesse acontecido. Para piorar, a esposa do homem (Michelle Pfeiffer) também aparece na casa. Ela também gosta de beber, e o casal obviamente tem uma vida sexual bem ativa – diferente da Mãe e de seu Marido.

Dada as dicas da costela, do sexo e dos vícios, a identidade do casal fica clara: são Adão e Eva, o primeiro homem e a primeira mulher.

Quando eles começam a abusar da hospitalidade – invadindo cômodos que a Mãe explica que são particulares -, a protagonista diz que vai expulsá-los: assim como Adão e Eva são expulsos do paraíso.

Mas, claro, cabe a Deus expulsá-los. E ele o faz depois que o casal quebra um cristal precioso.


A MORTE DE UM FILHO

Mesmo depois de terem causado na casa – ou no paraíso -, Adão e Eva ficam por ali. E ainda chamam os dois filhos para o local. Eles estão discutindo por causa de herança.

Os dois começam uma luta corporal, mesmo com a Mãe gritando e pedindo para que parassem. Um dos filhos sai morto do confronto.

É uma das alusões mais claras à Bíblia: trata-se de Caim e Abel, filhos de Adão e Eva.


O CRESCIMENTO DESCONTROLADO DA HUMANIDADE

Depois que um irmão mata o outro – na Bíblia, Caim mata Abel -, o Marido ainda oferece a casa para abrigar o funeral. Assim, mais pessoas começam a chegar ao local, para o desconforto da Mãe.

A partir daí, tudo realmente sai do controle. As pessoas já começam a se apossar da casa e a destruí-la, mesmo com a Mãe pedindo e pedindo para que elas tomem cuidado.


O DILÚVIO

Na casa, há uma pia que ainda não está chumbada na parede. Durante o funeral, duas pessoas espaçosas sentam na pia, e a Mãe pede para que desçam, porque a pia cairá. As pessoas a ignoram e, como já era esperado, a pia cai, e a água é espirrada para todo lado.

A Mãe grita de verdade, e seu Marido concorda em tirar as pessoas da casa.

A água tomando conta do local é uma simbologia para o dilúvio visto em Gênesis, na Bíblia, que conta toda a história da Arca de Noé. Assim como na Bíblia, as pessoas são expulsas da casa – já que o dilúvio foi um modo de “limpar” o mundo.


OS 10 MANDAMENTOS

A Mãe engravida, e o Marido finalmente consegue terminar de escrever o seu poema. A Mãe o lê e, chorando, confirma: “É perfeito”.

O poema é completamente vendido em um dia só, sucesso absoluto de público. Aos poucos, as pessoas começam a aparecer na porta da casa: são fãs e adoradores do marido. “Parece que esse poema foi escrito para mim”, diz um deles. O Marido, ou Deus, confirma que foi mesmo.

Na visão do Culturice, o poema que tanto fez sucesso e que trouxe adoração ao Marido é uma metáfora para os 10 mandamentos.


TUDO DEVE SER COMPARTILHADO (?)

Novamente, por uma decisão de Deus, a paz na casa é destruída.

A Mãe pede para que o Marido mande todas aquelas pessoas embora, mas ele diz que são seus fãs, seus adoradores, e que devem ser amados. Além disso, ele defende que tudo deve ser compartilhado.

Para o desespero da Mãe, assim o é: as pessoas pegam suas coisas, comem sua comida, destroem a sua casa.

Tudo, absolutamente tudo, sai de controle. As pessoas fazem guerras na sua sala de estar, dormem na sua cozinha, escravizam umas às outras na sala de jantar. A polícia chega, com gás de pimenta e bombas de efeito moral, e tudo vira um pandemônio. Nem mesmo Deus, o Marido, tem mais o controle.


O BEBÊ

A Mãe consegue dar a luz seu filho em uma sala isolada, apenas com o Marido. As pessoas do lado de fora pedem para ver a criança, e ela nega fortemente.

A Mãe fica dias acordada, com medo de que o Marido pegue o bebê e o leve para seus adoradores. No minuto em que, exausta, ela fecha os olhos, ele faz justamente isso.

O povo idolatra o bebê e o passa de mão em mão. Desesperada, a mãe tenta chegar à criança, mas é em vão: o bebê é morto, e as pessoas ainda comem seu corpo.

O Marido, vendo o desespero da Mãe, lhe diz: “Você precisa perdoá-los. Olhe para eles; eles estão arrependidos. Devem ser perdoados pelo que fizeram”.

A fala do Marido, ou Deus, esclarece a simbologia. O bebê é Jesus (ele mesmo diz, na Bíblia, ao ser crucificado “Pai, perdoe-nos, pois eles não sabem o que fazem”), adorado e morto pelo povo, que ainda come sua carne – uma metáfora para comer a carne e beber o sangue de Jesus.

Essa, compreensivelmente, é a gota d’água para a Mãe, que desiste de tudo e destrói toda a casa. E, se a casa é a Terra – ou seja, a própria Mãe -, ela também morre. Deus, o único sobrevivente, reconhece que errou e decide começar tudo de novo.


E NÓS NISSO TUDO, COMO FICAMOS?

“Mãe!” tem cenas perturbadoras e violentas. Mas o mais perturbador é pensar que nós somos tudo o que deu errado na história desse casal.

Vendo tudo pelos olhos da Mãe – ou seja, a Terra -, nós odiamos, junto com ela, todas aquelas pessoas que destruíram sua casa e se apossaram de suas coisas. Sentimos raiva dessas pessoas que não a respeitaram, mesmo ela pedindo e pedindo para que fosse preservada.

Aí vem o tapa na nossa cara: aquelas pessoas odiosas, desrespeitadoras e inconsequentes, que nunca escutam os pedidos e lamentos da Mãe Terra e que foram o maior erro de Deus, somos nós. Vamos ter que dormir com essa.