Crítica | ‘Mudbound’ é eficaz ao tratar de racismo pela amizade entre um negro e um branco

Da Netflix, o filme concorre a quatro Oscar e retrata a improvável amizade entre um branco e um negro no período pós-Segunda Guerra


A escravidão foi abolida nos Estados Unidos em 1863. Ou não. “Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi”, que estreia nesta quinta (15/2), fala sobre a época pós-escravidão, mas, na prática, pouca coisa mudou para os negros.

No período da Segunda Guerra Mundial, a jovem branca Laura McAllan (interpretada por Carrey Mulligan) se vê obrigada a se mudar com o marido, Henry (Jason Clarke), e com as filhas para uma lameada e isolada fazenda no Mississippi. Junto com eles, está o sogro da moça, Pappy (Jonathan Banks, da série “Breaking Bad”), um racista convicto.

O negro Hap Jackson (Rob Morgan), sua mulher, Florence (Mary J. Blige, indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante), e os filhos são funcionários da fazenda. No entanto, são tratados como escravos pela família branca.

Garrett Hedlund e Jason Mitchell em cena de “Mudbound” (Foto: Divulgação)

Embora tão diferentes, as duas famílias têm algo importante em comum: o irmão de Henry, Jamie (Garrett Hedlund), e o filho de Hap, Ronsel (Jason Mitchell), são membros do Exército norte-americano e estão no campo de batalha. Quando a guerra acaba, os dois voltam para casa – é esse o estopim de “Mudbound”.

No Exército, brancos e negros estavam em pé de igualdade: eram todos soldados. Quando Jamie e Ronsel voltam à vida comum, porém, são constantemente lembrados de como as coisas funcionam no Mississippi. Ronsel, por exemplo, não pode sequer usar a porta da frente nas lojas de conveniência.

Unidos pelo trauma da guerra, Jamie e Ronsel desenvolvem uma amizade, que precisa ser escondida das famílias e da cidade – um bom relacionamento entre um branco e um negro seria um escândalo.

Baseado no livro de Hillary Jordan, o roteiro (adaptado por Virgil Williams e Dee Rees, que também assina a direção) tem um movimento bem interessante: começa lento, acompanhando a vida da família branca, e, aos poucos, começa a introduzir a questão racial – até que, no terceiro ato, chega ao ápice da tensão e do drama.

A construção dos personagens também é cuidadosa: Laura vive um casamento infeliz e tem um interesse crescente pelo cunhado, Jamie; Florence não gosta de ser mal tratada pelos brancos, mas não hesita em ajudá-los; Hap tem tanto medo de perder o emprego (a dificuldade de achar outro seria grande) que quer trabalhar até com uma perna quebrada; Ronsel engole os maus tratos na cidade pelo bem da família; Jamie entra cada vez mais em conflito com o pai.

“Mudbound” tem produção da Netflix – foi a tentativa do streaming de chegar ao Oscar. Pelas regras da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, o filme precisa entrar em cartaz em cinemas, nem que seja por uma semana, para ser contemplado na premiação. Funcionou, em parte. “Mudbound” concorre em quatro categorias (além de atriz coadjuvante, roteiro adaptado, fotografia e canção original), mas tem poucas chances de levar alguma estatueta.

ASSISTA AO TRAILER DE “MUDBOUND – LÁGRIMAS SOBRE O MISSISSIPPI”