Poucos roteiristas são capazes de criar personagens tão complexos quanto os do japonês Hirokazu Koreeda. Sempre atento às dinâmicas familiares e com um tratamento cuidadoso com personas infantis, o cineasta é capaz de criar personalidades e relacionamentos profundos e intensos na tela. Ele o faz de novo no belíssimo “Assunto de Família”.
O filme arrebatou a Palma de Ouro no Festival de Cannes, esteve na programação da 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, foi indicado ao Globo de Ouro e é forte concorrente ao Oscar de melhor filme estrangeiro – ufa! – e estreia em circuito nacional nesta quinta (10/1).
Em sua nova história, a qual também dirige, Koreeda retrata uma família pobre do Japão. Cinco pessoas vivem apertadas em pequenos e bagunçados cômodos. O patriarca, Osamu Shibata, ensina o filho, Shota, a furtar mercados e lojas. Apesar de, claro, a família passar por necessidades, as pequenas infrações parecem ser um hobby.
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A maior parte do dinheiro vem da avó, uma senhora viúva que ganha pensão do governo. Nobuyo, mulher de Osamu, trabalha em uma lavanderia, enquanto a jovem Aki faz strip-tease e danças eróticas.
Inteligente, o roteiro de Koreeda faz o espectador ficar confuso quanto ao parentesco dentro da família – não dá para saber ao certo quem é filho de quem, mas entendemos que cada um ali cumpre um papel.
A vida dos Shibata muda quando eles encontram a pequena Yuri, de cinco anos, sentada fora de casa, no frio, abandonada. Eles descobrem que a menina é vítima de abuso dos pais e resolvem simplesmente levá-la para casa, sem adoção formal nem nada. A vida não será fácil com mais uma boca para alimentar, mas o casal Osamu e Nobuyo pouco hesita.
Por um lado, os personagens são imorais. São ladrões e sempre dão um jeito de desviar da lei. Por outro, deixam claro que se amam e que têm uma parceria inquebrável. Mostram à pequena Yuri um amor que ela jamais conheceu em sua família biológica.
Essa dualidade é um dos maiores trunfos de “Assunto de Família” – o filme mostra claramente que ninguém é totalmente bom, nem totalmente mau.
Ainda demonstra com clareza a inocência e a bondade inquebrável das crianças pequenas, pois Yuri, apesar dos maus tratos que sofreu, é amorosa e se importa com as pessoas. O longa também aborda a desconfiança e a insegurança das crianças maiores – o garoto Shota olha a nova irmã com desconfiança, temeroso de que ela tome sua importância na família e toda a atenção do pai adotivo.
Há ainda a relação entre Aki e a avó, uma bonita cumplicidade entre uma jovem e uma anciã. E ainda a enorme parceria de Osamu e Nobuyo, que não têm necessariamente uma relação carnal intensa, como acontece bastante na cultura japonesa.
A trama poderia ser simples, mas Koreeda é preciso ao fazê-la tornar-se profunda, capaz de comover muito.
Os indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro ainda não foram anunciados. Mas já é possível prever que a briga entre o japonês “Assunto de Família” o mexicano “Roma”, belíssimo filme de Alfonso Cuarón (leia aqui), vai ser acirrada.