Fim da meia-entrada: artistas e produtores dizem se são contra ou a favor – e se o preço dos ingressos deve baixar

Projeto de lei que acaba com o benefício no estado de São Paulo foi aprovado pela Alesp e agora aguarda sanção do governador, João Doria


A obrigatoriedade da meia-entrada sempre foi motivo de discussão entre profissionais culturais, governantes e público, já que, apesar de ser indiscutível a sua necessidade de existência, há vários detalhes estruturais que acabam tornando este benefício uma espécie de vilão para as produções, segundo muitos especialistas na área ouvidos pelo Culturice

O assunto voltou à tona com a aprovação pela Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), nesta quarta (27), de um projeto de lei que acaba com a meia-entrada em eventos artísticos e esportivos realizados no estado. A autoria é do deputador Arthur do Val (Patriotas). Agora, para começar a valer, o projeto aguarda pela sanção do governador, João Doria (PSDB).

A nova lei, na verdade, prevê que todas as pessoas com idades entre 0 a 99 anos tenham direito à meia-entrada, e não apenas estudantes e idosos com mais de 60. Isso faz com que, na prática, todo mundo tenha acesso ao benefício, ou seja, um preço único na bilheteria. 

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Público durante evento cultural (Pixabay)

Para saber as opiniões e pensamentos da classe cultural a este respeito, buscamos depoimentos de artistas e produtores, que responderam a duas questões: 1) Você é contra ou a favor da meia-entrada?; 2) Acha que o valor dos ingressos vai baixar, caso o projeto seja aprovado?. Até porque a questão dos preços está gerando muito debate, principalmente nas redes sociais. 

Participam da reportagem Adriana Del Claro (atriz, musicista e produtora), André Acioli (gestor e curador artístico), Ivam Cabral (ator e dramaturgo), Marllos Silva (diretor, produtor e idealizador do Prêmio Bibi Ferreira) e Célia Forte (dramaturga e produtora), todos com ampla experiência e importância no segmento teatral paulistano.

Saiba, abaixo, o que cada um pensa sobre o tema.

 

ADRIANA DEL CLARO
atriz, musicista e produtora

Adriana Del Claro (Reprodução/Facebook)

 

Você é a favor ou contra a meia-entrada? E por quê?

Eu não sou contra a meia-entrada. Eu só acho que podia regulamentar isso um pouco melhor. Eu acredito que o governo podia subsidiar de alguma forma a meia-entrada, dar algum incentivo para os produtores, alguma forma de isenção de imposto. Regulamentar a carteirinha de estudante, de repente, unificá-la pode ser bom. Pra gente ter um controle, como estão fazendo agora com a carteirinha da vacinação, pra gente ter esse acesso digitalizado e um controle melhor, pra ser mais justo, que realmente seja o estudante que utilize a meia-entrada. 

Com relação às minhas produções no teatro, a gente tem as contrapartidas sociais, formação de plateia para os estudantes, a parte social, a gente sempre cumpre com isso da melhor forma. É importante levar arte para o máximo de pessoas. Com a desigualdade que a gente vive hoje, é importante isso.

A gente quer o estudante, sim, na nossa plateia. Quer diminuir essa desigualdade, quer levar arte pro máximo de público que a gente puder. E quer continuar a trabalhar e pagar nossas contas, então tem que achar aí um equilíbrio nisso.

Na sua opinião, se aprovada, a lei vai fazer o preço dos ingressos baixar?

Na teoria, sim, ele tem que baixar, porque se você não tem a meia-entrada você muda totalmente o seu breakeven [equilíbrio financeiro], digamos assim. Tem que baixar. Na prática, vai depender de cada produtor. Comigo, se realmente acabasse, obviamente nas minhas produções os ingressos iriam baixar. Pelos outros, eu não tenho como falar. Mas, na teoria, sim, tem que baixar o valor do ingresso. Na prática, é outra história. 

ANDRÉ ACIOLI
gestor e curador artístico

André Acioli (Reprodução/Facebook)

 

Você é a favor ou contra a meia-entrada? E por quê?

A lei de incentivo nasce com a ideia de fomentar e facilitar que o estudante tenha acesso à cultura… e depois vem também o idoso, o professor, a rede pública e várias demandas que vêm acontecendo. A situação é que qualquer projeto de lei em que você mexe na receita de uma empresa, normalmente, o governo paga a diferença no valor.

Por exemplo, a linha branca, os eletrodomésticos, os carros, quando você vai comprar e às vezes é mais barato. É mais barato para o consumidor, mas o governo paga a diferença do valor para o fabricante. O grande debate, na verdade, na questão da meia-entrada, é que ela mexe diretamente na receita do produto espetáculo. Então você, enquanto produtor, levanta um projeto para colocá-lo em cartaz já sabendo que o valor dele é metade do preço. Porque a maioria das pessoas paga meia-entrada. Como negócio, você já entra perdendo metade da possibilidade de ganho.

Então, se você me perguntar se eu contra a meia-entrada, eu não sou contra. Mas eu sou contra uma lei impor o valor do meu negócio. Se eu, inclusive, quiser fazer a peça de graça, eu faço de graça. Mas é porque eu estou decidindo fazê-la de graça. E não porque uma lei, que não me ajuda, não me subsidia e não faz nada a nosso favor, ainda me obriga a ganhar 50% do meu salário.

Uma peça que vai entrar em cartaz no Eva Herz, por exemplo, a maioria das vezes não tem patrocínio. Elas vão na raça. O artista tem que entrar fazendo com o dinheiro do bolso. Ele investe 5 sabendo que vai entrar 2,5. A conta não fecha pra esse artista. Ele faz porque ele é louco. É nesse sentido que eu, de verdade, acho que ela foi mal empregada.

Talvez lá no começo, quando ela foi pensada e estudada, isso não impactou tanto no resultado dos borderôs. Porque todo mundo imaginava, talvez, que o número de público de meia-entrada seria menor e tal, mas hoje ela dita regra, e hoje ela dita uma regra de uma maneira que prejudica, sim.

Ela acaba obrigando ainda mais que as produções dependam das leis de incentivos para poder fazer um espetáculo ficar em cartaz. Eu sou a favor, sim, de preços mais acessíveis, eu acho que a cultura tem que ser muito mais acessível, porém, eu também acho que a gente não deve ter uma lei que obrigue que o nosso produto seja mais barato – e que ninguém pague por isso.

Na sua opinião, se aprovada, a lei vai fazer o preço dos ingressos baixar?

É claro que isso é um tipo de tema que vai de produtor para produtor. Hoje em dia, eu coloco um preço médio entre meia e inteira pra poder pagar umas contas do equipamento cultural. Então hoje eu tenho um ticket médio de R$ 80, dentro do Teatro Porto Seguro, por exemplo. E por que isso acontece? Porque eu tenho muito mais meia-entrada e algumas poucas inteiras, e aí me dá esse ticket médio. A partir do momento que eu tenho o poder do produto do qual eu estou cobrando, eu posso baixar o valor.

Em vez de cobrar R$ 100, já sabendo que eu vou ter R$ 80, eu passo a cobrar os R$ 80, que eu sei que R$ 80 é o que vai vir. E eu posso dar um desconto maior ainda, porque aí é uma opção minha.

Eu posso eu falar: “Quero vender 10 ingressos a R$ 30”. Hoje, o produtor fica sem esse poder de barganha, de negócio. Vai de produtor para produtor, de negócio para negócio, de instituição para instituição, é muito relativo, eu não consigo colocar todo mundo no mesmo balaio. Mas, eu, como planejador, produtor e gestor cultural, eu entendo, sim, uma possibilidade de baixar os custos dos ingressos.

IVAM CABRAL
ator e dramaturgo

Ivam Cabral (Reprodução/Facebook)

 

Você é a favor ou contra a meia-entrada? E por quê?

Totalmente a favor. Deveria ser papel de todo produtor cultural investir na criação de incentivos para estabelecer uma melhor relação de seus produtos culturais com seus públicos. Estamos em um momento onde precisamos entender a responsabilidade que nós, artistas e produtores culturais, temos com a sustentabilidade do planeta. E a cultura, queiram ou não, está no topo destas discussões. Somos formadores de cidadãos.

Na sua opinião, se aprovada, a lei vai fazer o preço dos ingressos baixar?

Se aprovada, não teremos ingressos mais baratos. Estaremos perdendo, isso sim, a possibilidade de interlocuções e diálogos com públicos mais jovens.

MARLLOS SILVA
diretor, produtor e idealizador do Prêmio Bibi Ferreira

Marllos Silva (Reprodução/Facebook)

 

Você é a favor ou contra a meia-entrada? E por quê?

Quando eu recebi essa pergunta da Fabiana, eu respondi com outra pergunta. “Quantos caracteres eu tenho para responder?” E não foi para fazer graça ou por ser prolixo. É porque esta é uma daquelas perguntas pegadinhas de vestibular. Eu acho pouco provável que alguém seja contra a meia-entrada para estudantes, mas o que os produtores culturais são contra é a forma como a meia-entrada funciona atualmente. Mesmo porque a meia-entrada deixou de ser só de estudante já faz um bom tempo.

Hoje, estudantes, professores, idosos, policiais, funcionários públicos e, em algumas cidades, basta estar vivo que você tem direito a meia-entrada. Sem nenhuma distinção social. O que é fabuloso. Um direito fantástico. Não há como ser contra uma ação que beneficia a população. Assim como o bilhete único nos transportes, em que podemos viajar por um período determinado quantas vezes precisarmos sem termos que pagar mais de uma vez, ou o desconto para os estudantes, ou mais, a gratuidade para a pessoas da melhor idade. E é aqui que tem a pegadinha.

As empresas de ônibus recebem subsídio do estado para cada passageiro ao oferecerem a gratuidade ou o desconto. Enquanto isso os produtores culturais não recebem um centavo pela obrigatoriedade em oferecer 50% do seu produto. Hoje um produtor cultural é obrigado a oferecer 50% de desconto no seu projeto, sem receber nenhum subsídio para isso.

O que isso significa? Qualquer evento cultural custa a metade do dobro. Porque senão o evento não se paga, o produtor não tem lucro, e como todo segmento as pessoas precisam ter lucros para pagar as suas contas pessoais, pagar o salário das pessoas envolvidas, os custos de produção. Não sou a favor do fim da meia-entrada. Eu sou a favor do subsídio do estado para os produtores oferecerem o desconto. Afinal não existe meia-entrada para gasolina, salário dos profissionais, aluguel de teatro, material cenográfico, figurinos, sonorização e iluminação, nem de impressão de ingresso.

Na sua opinião, se aprovada, a lei vai fazer o preço dos ingressos baixar?

Possivelmente haverá diminuição do valor dos ingressos em diversos eventos, mas isso também depende de uma série de outros fatores. Inflação, estabilidade política e econômica, e a concorrência entre os produtores.

CÉLIA FORTE
dramaturga e produtora

Célia Forte (Reprodução/Facebook)

Você é a favor ou contra a meia-entrada? E por quê?

Eu sou a favor de o produtor poder escolher para quem dar meia-entrada. Assim como outros empresários escolhem que desconto oferecer aos seus clientes. Nem todo estudante ou aposentado precisa desse desconto e nem toda pessoa pode pagar o ingresso inteiro.

Na sua opinião, se aprovada, a lei vai fazer o preço dos ingressos baixar?

São vários os fatores que determinam o valor do ingresso de cada produção para que as despesas sejam cobertas e lucros sejam possíveis. Com a implantação da meia-entrada, calculamos o tíquete médio. Didaticamente falando: inteira R$ 100, meia R$ 50, tíquete médio R$ 75. Ou seja, o ingresso fica mais barato.