Até hoje tem gente que acha inadmissível assistir a filmes em casa, seja por TV, celular ou computador, e que considera válidas apenas as sessões nas salas de cinema. Então é claro que vai ter gente torcendo o nariz para os espetáculos que vêm sendo criados para transmissões via streaming.
Fato é que a discussão sobre se “isso” ou “aquilo” deve existir não leva a nada, porque nada substitui as experiências tradicionais e todo mundo sabe disso. As novas mídias são apenas novas possibilidades que a arte tem de se reinventar e chegar a mais pessoas, e não tem como algo assim ser ruim.
Dito isso, há muito o que se conversar sobre essa nova forma de produção artística, os desafios, os pontos positivos, o processo de adaptação de atores, diretores e público. O teatro online tem vida longa? Ou tende a acabar com o fim da quarentena? Fizemos a pergunta para a equipe do espetáculo “Pandas, ou Era uma Vez em Frankfurt”, que estreia a 3ª temporada digital nesta sexta-feira (17), às 20h, pela plataforma Zoom (entrevista mais abaixo).
A obra é uma adaptação do texto “A História dos Ursos Pandas Contada por um Saxofonista que Tem uma Namorada em Frankfurt”, do dramaturgo romeno Matéi Visniec. Ele não só aprovou a encenação nesse novo formato como já assistiu ao trabalho, de Paris, e o elogiou muito.
A peça é ao vivo, feita com os artistas em suas próprias casas. Fala sobre um casal de desconhecidos que acorda junto e precisa descobrir o que aconteceu, já que eles se lembram apenas de fragmentos da noite anterior. O diferencial da montagem é a forma como os atores Mauro Schames e Nicole Cordery, sob a direção de Bruno Kott, utilizam todas as funcionalidades do Zoom, criando diversos cenários com apenas alguns cliques.
Com duas temporadas lotadas e elogiadas pelo público, “Pandas” já pode ser considerado um sucesso na programação digital, e é por isso que é bom ouvir o que a equipe tem a dizer. Além de responder sobre a “vida útil” do teatro online, Bruno, Mauro e Nicole também falaram sobre as principais dificuldades enfrentadas, se é possível arrecadar com bilheteria e se a experiência virtual pode acrescentar algo ao fazer teatral tradicional.
ENTREVISTAS
BRUNO KOTT, o diretor
1) Qual a maior dificuldade em fazer teatro online? É muito mais difícil do que as pessoas pensam?
A dificuldade está na adaptação da obra para a linguagem online. Os signos precisam ser adaptados para esse novo meio e, por se tratar de algo novo, ainda estamos descobrindo como acessar esse simbólico e como nos relacionar com o público/espectador.
[Sobre ser mais difícil do que as pessoas pensam] A dificuldade é pessoal. Todos temos limitações pessoais e tecnológicas. Tudo está mudando muito rápido. Porém acredito que cada um, no seu tempo, pode decifrar esse novo meio e utilizar como algo a favor. Uma nova possibilidade de criação, sem comparar ou superar qualquer outra.
2) Você acha que essa sua nova experiência com espetáculos digitais pode contribuir de alguma forma com o seu fazer teatral tradicional?
Todo exercício de pesquisa contribui para um artista. Nem sempre alcançaremos o resultado logo na primeira tentativa, mas nosso trabalho é pesquisar os meios de acesso ao ser humano, e a tecnologia, no meu ponto de vista, está mudando o tempo das relações consigo e com o outro. Não estamos vivendo uma era de mudança, mas sim uma mudança de era.
3) Na sua opinião, as produções online têm vida longa? É algo viável para se continuar fazendo, mesmo depois da reabertura dos teatros? Dá para arrecadar o suficiente com “bilheteria”, por exemplo?
Penso que podem se desdobrar numa uma nova via. O cinema ao vivo, performances com pesquisa de luz e sons. Vejo menos binarismo e mais hibridismo.
[Sobre bilheteria] É uma nova arrecadação pois os custos de produção são outros. O próprio aluguel do teatro, por exemplo, não existe. Monetizar na nossa profissão nunca foi fácil, mas no online é possível que um novo público se interesse e democratize autores, atores, artistas e seja uma ponte ao teatro físico. Que o complemente. O Brasil é muito grande e muitos lugares não têm iniciativas culturais. Quem sabe seja um gatilho para algum novo movimento artístico.
MAURO SCHAMES, o ator
1) Qual a maior dificuldade em fazer teatro online? É muito mais difícil do que as pessoas pensam?
Acredito que a maior dificuldade nessa experiência online é exatamente o entendimento da comunicação em si. Estamos galgando ainda na virtualidade, embora o nosso dia a dia esteja completamente envolto nesse “lugar”. Entender como se dá o processo de comunicação, assim como entender como é recebido, ainda é uma grande incógnita. A tendência tem sido o espectador olhar a forma antes de tudo. A busca é superar a forma para que possamos contemplar o conteúdo.
2) Você acha que essa sua nova experiência com espetáculos digitais pode contribuir de alguma forma com o seu fazer teatral tradicional?
É muito provável que exerça influência. A proximidade de quem assiste é muito grande. Você é observado no olho, as suas palavras são escutadas em fones de ouvido. No entanto não vemos quem está. Não existe o calor. No palco há o encontro físico, o som de quem está no palco e o som de quem assiste percorrem o mesmo ar, mas as distâncias são diversas.
Você não vê o olho de quem está no palco, dependendo da posição que esteja sentado. São experimentos. Estamos todos aprendendo. Tanto quem cria e realiza, assim como quem assiste e contempla.
3) Na sua opinião, as produções online têm vida longa? É algo viável para se continuar fazendo, mesmo depois da reabertura dos teatros? Dá para arrecadar o suficiente com “bilheteria”, por exemplo?
Sem dúvida. Estamos definitivamente na era da tecnologia, da virtualidade. Os nossos dias já estavam envoltos por essa comunicação muito antes de estarmos confinados e buscando uma forma de comunicação. Essa forma de comunicação já estava aqui. Evidentemente que estes experimentos servem para que a própria tecnologia se desenvolva em direção a estas linguagens.
A tendência será o desenvolvimento de novas ferramentas, novas plataformas. Em relação a arrecadar o suficiente, bom… essa pergunta se estenderia ao próprio teatro em sua forma genuína. É possível arrecadar o suficiente? Muito provavelmente será possível arrecadar com “bilheteria”, mas não haverá uma fórmula para isso. Assim como não me parece que exista uma fórmula para a arte.
NICOLE CORDERY, a atriz
1) Qual a maior dificuldade em fazer teatro online? É muito mais difícil do que as pessoas pensam?
“Pandas, ou Era uma Vez em Frankfurt”
Onde: plataforma Zoom
Quando: 17/7 a 30/8; sextas (20h) e sábados (20h)
Quanto: R$ 20; à venda pelo Sympla
+ infos: 14 anos / 40 minutos