‘Eu Não Sou Seu Negro’: documentário debate racismo nos anos 60 e hoje

Indicado ao Oscar de documentário, "Eu Não Sou Seu Negro" traz memórias do escritor James Baldwin


 

Há filmes que esfregam uma verdade feia na cara do público; fatos que são difíceis de engolir e, por isso, muitas vezes, fingimos que não os vemos. O documentário indicado ao Oscar “Eu Não Sou Seu Negro”, do haitiano Raoul Peck, faz isso com maestria.

Baseado nas anotações, parte de “Remember This House”, livro não terminado do escritor negro James Baldwin (1927-1987), o documentário aborda a segregação, o racismo e os direitos civis por meio da trajetória de três amigos do artista, todos negros e assassinados: os ativistas Malcolm X (1925-1965), Medgar Evers (1925-1963) e Martin Luther King Jr. (1929-1968).

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O escritor James Baldwin (no centro, de óculos) em cena do documentário (Foto: Divulgação)

 

O ator Samuel L. Jackson se encarrega de emprestar a voz a Baldwin e lê suas anotações. As narrações são intercaladas com cenas antigas, de discursos do próprio Baldwin e dos ativistas, além de imagens chocantes de segregação, protestos (nos quais brancos seguram placas com o símbolo da suástica nazista) e de confronto entre negros e brancos.

A grande sacada do diretor Raoul Peck vem nessa montagem: não são só imagens antigas, dos anos 1960, que aparecem. Surgem também imagens dos confrontos em Ferguson, que ocorreram em 2014. 

É um tapa na cara de quem pensa que a comunidade negra conseguiu muitos avanços lá atrás, quando a segregação descarada nos Estados Unidos acabou. Pode ser que não haja mais placas indicando os lugares dos negros, separado do dos brancos, mas o racismo e a segregação continuam a fazer parte da sociedade moderna.

O documentário também faz um bom trabalho em mostrar a estratégia dos famosos ativistas. Malcolm X, por exemplo, era mais radical na sua defesa da comunidade negra. Martin Luther King também era incisivo sobre a questão, mas, por outro lado, repudiava toda e qualquer violência entre brancos e negros. O próprio escritor James Baldwin não tomava lugar na linha de frente das marchas, mas debatia a questão com palavras poderosas, ora faladas, ora escritas. Apesar de suas diferenças, todos lutavam por um objetivo comum.

É impressionante e revoltante pensar que o trabalho que esses homens fizeram há 50 anos —e que, claro, fizeram diferença na época— ainda seja tão atual e tão necessário.

Em tempo, vale uma reflexão sobre o Oscar 2017: depois de toda a polêmica do “Oscar so white”, no ano passado (quando nenhum negro foi indicado em nenhuma categoria), a cerimônia deste ano “corrige” a falha. “Eu Não Sou Seu Negro” e “A 13ª Emenda” estão indicados a melhor documentário, “Estrelas Além do Tempo”, “Moonlight – Sob a Luz do Luar” e “Um Limite Entre Nós”, que também abordam o racismo ou a comunidade negra, concorrem a melhor filme. Denzel Washington, Mahershala Ali, Viola Davis, Octavia Spencer e Naomie Harris marcam presença nas categorias de atuação. Esperamos que continue assim, Academia.

Avaliação: Muito bom.

 

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