Na peça “Sísifo”, Gregorio Duvivier sobe e desce rampa enquanto fala de amor, solidão e tragédias

Leia entrevista de Gregorio sobre o espetáculo, que está em cartaz no Rio e chega a São Paulo dia 13/9


Gregorio Duvivier em cena de “Sísifo” (Elisa Mendes/Divulgação)

É sobre repetir mil vezes a mesma coisa, mesmo sabendo que aquilo nunca vai ter o resultado esperado, ou então sobre não desistir de tentar deixar o mundo um pouco melhor. Ou pode ser sobre o amor, a efemeridade da vida, a diversão, as fronteiras, a poesia, o jornalismo, a beleza e o horror.

“Sísifo”, peça encenada por Gregorio Duvivier com direção de Vinicius Calderoni e texto dos dois, utiliza uma criativa fórmula que possibilita a abordagem de todos esses assuntos e de muitos outros.

VÍDEO: Gregorio Duvivier e Vinicius Calderoni falam sobre “Sísifo”

“Sísifo” (Elisa Mendes/Divulgação)

Apenas com uma rampa em cena, o artista sobe e desce a plataforma dezenas de vezes (no mínimo 40) e, em cada um dos trajetos, conta uma história diferente – ou a mesma história incluindo novos elementos. É curioso, instigante e tem um efeito impactante sobre a plateia.

A inspiração foi o mito grego de Sísifo, homem condenado a empurrar uma pedra gigante até o alto de uma montanha por toda a eternidade. “Mesmo sabendo que não vai dar em nada, continuamos tentando. Essa tentativa é o que organiza a nossa experiência na Terra”, diz Gregorio em entrevista ao Culturice (leia o bate-papo logo abaixo).

A peça fica em cartaz até 8/9 no Teatro Prudential, no Rio de Janeiro, e estreia dia 13/9 no Sesc Santana, em São Paulo.

“Sísifo” (Elisa Mendes/Divulgação)

O Culturice assistiu ao espetáculo na estreia nacional, em abril, em Curitiba, e observou a relação estreita criada entre artista e público, que se envolve com as histórias a ponto de aplaudir diversas vezes em cena aberta.

O que se vê ali no palco não são apenas reflexões sobre dilemas do nosso dia a dia, mas fragmentos que revelam uma sociedade doente e atormentada, no Brasil e no mundo. A peça mostra, por exemplo, o drama de um rapaz que decide cometer suicídio pulando de um prédio – e faz uma “live” na internet para anunciar sua atitude. Tem também a poética personagem que vendia brigadeiros e agora passou a vender sentidos para a vida.

“Sísifo” (Elisa Mendes/Divulgação)

Em outro momento, um motorista de carro por aplicativo divaga sobre como a sua vida está intimamente ligada às vidas de seus passageiros, enquanto em outra subida e descida de rampa Gregorio ressalta o absurdo no uso de tantas sacolas plásticas, que duram mais do que o próprio homem.

“Sísifo” fala das tragédias de Brumadinho e Mariana, do incêndio no Museu Nacional, dos gays assassinados, das mulheres mortas por seus maridos. Mostra o caos na política, a iminência do fim da humanidade, o apocalipse. 

Tem muito humor, muito drama e muito suor – o ator corre, pula, se joga e fica exausto com toda a ginástica teatral exigida em cena. Mas o esforço vale a pena, porque o resultado é uma peça criativa, inteligente e necessária.

“Sísifo” (Elisa Mendes/Divulgação)

Entrevista com Gregorio Duvivier

A peça está igual àquela que foi apresentada em Curitiba ou vocês fizeram alguma atualização?
Tanto o Vinicius como eu somos obsessivos com o texto, e isso faz com que a gente não conclua nunca. Acho que mesmo depois de estrear [no Rio] vamos continuar mudando.  

Você acha que a ideia das repetições e do círculo vicioso pode ser, além de um retrato da nossa tentativa frustrada de mudar as coisas, também uma forma de esperança? Já que não desistir de tentar pode ser algo bom?
Sim, o mito de Sísifo fala exatamente disso. Mesmo sabendo que não vai dar em nada, continuamos tentando. Essa tentativa é o que organiza a nossa experiência na Terra. Mesmo sabendo que não vai dar em nada. A trajetória ladeira acima (e ladeira abaixo) pode ser lúdica, como no teatro. O ator faz dessa experiência de buscar a pedra o seu ganha-pão.

“Sísifo” (Elisa Mendes/Divulgação)

E também a ideia de repetição pode ter a ver com o teatro em si, já que os atores sobem ao palco para repetir a mesma história várias vezes por semana, às vezes durante muitos anos. Você acha que o teatro pode mudar de alguma forma a realidade das pessoas?
Exato! O teatro fala disso. Durante uma hora ou mais, a gente sobe e desce uma ladeira. É uma experiência de Sísifo coletivo. E aquilo não dá em nada, no sentido que não é documentado. Por mais que seja filmado. Não fica. Porque toda peça de teatro some no momento em que ela acaba.

As tentativas de eternizá-la criam outro produto, que não é uma peça. Pode ser um livro ou uma filmagem, mas não são teatro. Porque o teatro, mesmo num tempo em que tudo precisa ser eternizado, segue sendo um lugar em que só vale o momento, e todos estão compartilhando do mesmo espaço-tempo. E a mágica mora aí. Não sei se muda a realidade, mas talvez ajude a gente a fruí-la.

“Sísifo” (Elisa Mendes/Divulgação)

Tem alguma ou algumas dessas dezenas de histórias de “Sísifo” que você acha que são mais impactantes ou te emocionam mais?
Gosto especialmente da cena em que falamos de Mariana e Brumadinho. Está tudo ainda muito fresco, e o teatro serve também pra isso, se deixar contaminar pela realidade, pelo mundo lá fora. O teatro pode nos ajudar a digerir nossas tragédias, pra quem não sabe não repetí-las.

“Sísifo”

Rio de Janeiro

Onde: Teatro Prudential – Rua do Russel, 804, Glória
Quando: até 9/9 – quinta (21h), sexta (21h), sábado (21h) e domingo (19h)
Quanto: R$ 70 e R$ 90
+ infos: 16 anos / 60 minutos

São Paulo

Onde: Sesc Santana – Avenida Luiz Dumont Villares, 579, Santana
Quando: 13/9 a 20/10 – sextas (21h), sábados (21h) e domingos (18h)
Quanto: R$ 12 (com credencial do Sesc) e R$ 40
+ infos: 16 anos / 60 minutos

“Sísifo” (Elisa Mendes/Divulgação)

“Sísifo” (Elisa Mendes/Divulgação)